...não, ela sempre teve as bochechas em febre. Avermelhadas, e olhos caramelados. Preciso dizer que se a visse naquele transe tão solitário, se apaixonaria.Mas prefiro estabelecer primeiramente a cena, porque no começo da seca o céu de Brasília fica muito azul, e os gramados ainda salpicados de certo verde, não pude ignorar, muito menos a luz entrando pelas janelas do ônibus, refletindo nos fios castanhos.Ela pega sempre o ônibus amarelo, às 16, o momento mais vazio. Lia um trecho daqueles livros sujos que colecionava, eram cenas escuras, entorpecidas e as bochechas sempre em febre. Quase em movimento discreto, pernas cruzadas, dedos que passeavam por páginas. Eram boas as carícias, dela com ela, na língua dela, palavras em sussurros pronunciadas.
Você já brincou com o gosto das palavras?
Lia aguda, áspera, seca...mas sempre pra si.Palavras, as mesmas escolhidas entre vírgulas, poros de papel, senti-las escaparem pela boca, mesmo que fosse pronúncia simples, ao vento que lambia seu rosto. Mesmo que fosse...dizia em voz quase solta, cada palavra de gostos diferentes. Lentas, adocicadas, muito ácidas. Estouravam cremosas no macio da língua, espremiam-se entre dentes, vibrando tão vigorosas. E roucas, porque a moça, a mesma que carrega uma pinta ao lado da boca, estava sensualmente rouca.
(...)
Aprendeu a gozar com palavras, em passeios vespertinos, em ônibus vazios, em si.
Um comentário:
lindo, linda.
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